O ciclo da desistência: por que tantos autores abandonam seus projetos literários antes de terminar
- editoratypus
- 1 de mai.
- 3 min de leitura

Escrever um livro, para muitos, é o sonho de uma vida. Mas entre a ideia inicial e o ponto final, há um caminho longo e repleto de armadilhas emocionais, estruturais e até sociais. Uma das mais recorrentes é o abandono da obra: autores que começam com entusiasmo e, em algum momento, simplesmente param. O projeto se perde em uma gaveta — física ou digital — e a narrativa que poderia ter existido nunca chega ao fim.
Esse fenômeno, comum tanto entre autores iniciantes quanto experientes, pode ter várias causas, mas quase sempre está relacionado a uma combinação de fatores que envolvem expectativas irreais, solidão criativa, falta de estrutura e, acima de tudo, a ausência de uma rotina consistente de escrita.
Uma das causas mais frequentes do abandono é o excesso de autocrítica. Muitos autores iniciam seus projetos com empolgação, mas ao relerem o que escreveram, sentem-se frustrados. Acham que o texto não está “bom o suficiente”, que “ninguém vai se interessar”, ou que “não têm talento para isso”. Esse tipo de julgamento precoce é perigoso porque desconsidera uma verdade fundamental sobre a escrita: o primeiro rascunho raramente é brilhante. A lapidação vem depois, com revisão, tempo e distanciamento emocional.
Outro fator relevante é a falta de planejamento. Embora a escrita criativa permita fluidez e improviso, um mínimo de estrutura narrativa ajuda a sustentar o projeto ao longo do tempo. Quando o autor não sabe para onde a história vai, ou qual é o arco emocional do protagonista, é comum que o entusiasmo inicial se perca diante da sensação de estar “andando em círculos”. Um bom esboço de roteiro, mesmo que flexível, pode fazer toda a diferença para manter o rumo.
A solidão também pesa. Diferente de outras atividades criativas que envolvem colaboração — como teatro ou cinema —, a escrita é um ofício solitário. Muitos autores não têm com quem trocar ideias, compartilhar inseguranças ou validar pequenos avanços. Esse isolamento pode alimentar a sensação de que o projeto é irrelevante, ou que não há motivo real para seguir em frente. Por isso, oficinas de escrita, grupos de leitura e mentorias literárias têm ganhado espaço como forma de sustentação emocional e criativa.
A rotina é outro ponto crucial. Escrever um livro exige disciplina, mesmo que em pequenas doses. Muitos autores esperam “o momento certo” ou “o dia inspirado” para escrever. O problema é que esses dias são raros — e confiar apenas neles torna o projeto cada vez mais distante. Criar uma rotina possível, com metas realistas (mesmo que sejam 300 palavras por dia), ajuda a transformar a escrita em hábito, e não em exceção.
Outro motivo comum para a desistência é o medo da exposição. Escrever é também se expor. Mesmo em obras de ficção, há muito do autor ali — seus valores, suas dúvidas, suas feridas. A possibilidade de julgamento por leitores, amigos ou familiares pode ser paralisante. Esse medo, ainda que legítimo, precisa ser enfrentado aos poucos, entendendo que a literatura é, por natureza, um diálogo com o outro — e que a vulnerabilidade é, muitas vezes, o que torna a obra potente.
Por fim, há os fatores externos. Pressões familiares, falta de tempo, jornadas duplas ou triplas de trabalho, ausência de apoio financeiro e emocional. A vida concreta muitas vezes se impõe à vida criativa, e é preciso reconhecer essa realidade com honestidade. Em alguns casos, pausar a escrita é necessário. Mas pausar não precisa significar abandonar. Manter o projeto vivo, ainda que em latência, é diferente de desistir.
Para enfrentar esse ciclo de desistência, é útil mudar a maneira como se enxerga o processo de escrita. Em vez de pensar no livro como um objetivo final, pode-se encará-lo como uma jornada fragmentada, feita de pequenos marcos. Celebrar cada capítulo concluído, cada personagem bem construído, cada cena que funciona, ajuda a sustentar a motivação. Além disso, registrar o progresso — por meio de diários de escrita ou planilhas — pode oferecer uma perspectiva mais generosa do que se avançou.
O apoio de outros escritores também é um recurso poderoso. Participar de comunidades literárias, buscar leituras críticas de confiança, compartilhar inseguranças com quem já viveu experiências semelhantes são formas de lembrar que você não está sozinho. Muitos autores consagrados já enfrentaram abandonos e recomeços, e essa consciência ajuda a aliviar a cobrança pessoal.
Em um tempo em que a produtividade é quase um dogma, desistir pode ser vivido como um fracasso. Mas a escrita literária não se mede em velocidade, e sim em profundidade. O tempo de maturação de um livro é subjetivo. Há autores que levam meses; outros, décadas. O que importa é não perder de vista o desejo que iniciou o projeto — e alimentá-lo com paciência, coragem e cuidado.
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