Conto ou crônica? Descubra como identificar (e escrever) cada um
- editoratypus
- 27 de mai.
- 4 min de leitura

Quem escreve sabe: poucos dilemas são tão recorrentes quanto a pergunta “isso é conto ou crônica?”. As fronteiras entre os dois gêneros parecem, muitas vezes, esfumadas — e, em alguns casos, realmente são. Mas existem, sim, diferenças importantes entre um conto e uma crônica, e entender essas distinções pode transformar a forma como você lê e escreve.
Se você está iniciando na literatura, participando de concursos, escrevendo para blogs ou apenas deseja reconhecer melhor as ferramentas do seu próprio texto, este artigo é para você. Vamos abordar de forma clara e profunda o que caracteriza cada gênero, com exemplos práticos, dicas de leitura e sugestões de escrita.
O que é um conto?
O conto é uma narrativa curta, mas estruturada. Ele apresenta uma situação específica — com início, desenvolvimento e desfecho — e costuma ter poucos personagens e um recorte bem definido do tempo e do espaço. É, por excelência, uma história de ficção.
Entre os elementos que compõem um conto, temos:
Narrador definido (em primeira ou terceira pessoa)
Personagens bem delineados, mesmo que breves
Conflito central que move a narrativa
Clímax e desfecho (que pode ser surpreendente, aberto ou conclusivo)
Ambiente ficcional, ainda que inspirado em vivências reais
Mesmo nos contos mais breves, há uma intenção clara de provocar, construir tensão e deixar marcas no leitor.
O que é uma crônica?
Já a crônica é mais solta, mais próxima da conversa cotidiana. Ela se debruça sobre o presente, sobre as pequenas situações da vida comum, com tom reflexivo, crítico ou até bem-humorado. É um gênero híbrido, que pode flertar com a literatura, com o jornalismo, com o ensaio.
A crônica costuma ter:
Tom mais pessoal e subjetivo
Linguagem leve, cotidiana
Assunto geralmente banal ou cotidiano (um passeio no parque, uma conversa no ônibus, uma notícia curiosa)
Foco mais na observação do que na ação
Frequente presença de ironia, humor ou melancolia
Ela é quase sempre escrita em primeira pessoa e carrega a marca do cronista — tanto no olhar quanto na linguagem.
A principal diferença entre conto e crônica
Se fôssemos resumir a diferença de forma direta:
O conto quer narrar uma história, com começo, meio e fim.
A crônica quer refletir sobre algo, muitas vezes com base em uma pequena cena ou fato do cotidiano.
Enquanto o conto convida o leitor a entrar em um universo imaginado, a crônica convida a pensar o mundo real sob um novo ângulo — ainda que use elementos de ficção.
E quando o conto parece crônica — ou vice-versa?
Esse é o ponto onde a confusão costuma nascer. Alguns contos têm um tom tão próximo da vida comum que parecem crônicas. Já algumas crônicas são tão bem construídas em sua narrativa que lembram contos curtos.
A dica, nesses casos, é observar:
Existe um conflito claro? Uma tensão que se resolve? → Provavelmente é um conto.
O texto gira em torno de uma reflexão, sem clímax ou desfecho narrativo forte? → Provavelmente é uma crônica.
Autores como Luis Fernando Verissimo, Rubem Braga, Clarice Lispector, Carlos Drummond de Andrade e Fernando Sabino flutuaram entre os dois gêneros com maestria, muitas vezes confundindo fronteiras — e encantando leitores.
Exemplos práticos
Vamos observar dois mini trechos para comparar:
“Ele acendeu o último cigarro, olhando a rua vazia. O telefone tocou uma única vez. Ele sabia que era ela. Não atendeu.”
Aqui temos um conflito velado, uma tensão, uma escolha do personagem. É ficção, com início, clímax e final sugerido. Um conto.
“Na padaria, a moça do caixa sorriu ao devolver o troco. Sorri de volta. Só fui perceber que tinha um fiapo de alface no dente ao entrar no elevador.”
Aqui temos um recorte de cotidiano, um pequeno desconforto, e uma observação bem-humorada. Uma crônica.
E quanto ao uso em concursos literários?
É comum que prêmios peçam especificamente “conto” ou “crônica”, e saber a diferença é essencial para não ser desclassificado por equívoco.
Contos pedem narrativas inventadas. Já crônicas, embora possam ter elementos ficcionais, devem ter tom de realidade e observação.
Dica importante: ao escrever, pense no efeito desejado. Você quer contar uma história ou refletir sobre algo?
Pode misturar os dois gêneros?
Sim — e muitos autores fazem isso com brilhantismo. A chamada crônica literária ou crônica de ficção é um campo fértil para quem deseja explorar os limites da linguagem.
Mas, se a proposta for enviar para uma categoria específica, é melhor manter-se fiel à estrutura principal do gênero pedido.
Por que saber a diferença importa?
Porque cada gênero exige um tipo diferente de habilidade narrativa.
O conto exige construção de conflito, tensão dramática e domínio de enredo.
A crônica exige olhar afiado para o cotidiano, escuta sensível e voz pessoal.
Dominar ambos amplia a capacidade de expressão do autor. E, mais do que isso, ajuda a encontrar sua voz própria — seja ela ficcional, reflexiva, irônica ou lírica.
Como exercitar o olhar para os dois gêneros
Leia autores consagrados em cada um dos gêneros.
Para conto: Lygia Fagundes Telles, Guimarães Rosa, André Sant’Anna.
Para crônica: Rubem Braga, Marina Colasanti, Antonio Prata.
Escreva cenas simples com dois enfoques diferentes.
Um como se fosse conto (ficção, tensão, clímax), outro como crônica (reflexão, cotidiano, pessoalidade).
Observe o mundo ao redor como se fosse matéria literária.
Tanto o conto quanto a crônica nascem da atenção — mas são traduzidos de formas distintas.
E no fim das contas… qual é melhor?
A resposta simples: nenhum dos dois é melhor. Cada um tem sua beleza, sua função e seu campo de atuação.
O conto é para quem quer criar mundos. A crônica é para quem quer comentar o nosso. Ambos exigem sensibilidade, técnica e, acima de tudo, escuta — do que acontece dentro e fora de nós.
Se você escreve, leia ambos. Experimente ambos. Deixe-se tocar pelos gêneros e descubra qual deles (ou ambos!) te acolhe como autor ou autora.
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